Quando eu nasci, em 1969, os casamentos costumavam ser indissolúveis. As mulheres que ousavam se separar levavam na testa a tatuagem simbólica de indesejáveis. Naquele tempo, lares com homens eram irremediavelmente chefiados por eles, ainda que a companheira tivesse renda e/ou autoridade. Só mais tarde, à medida que o século XXI se aproximava, as pesquisas estatísticas começaram a admitir a possibilidade de liderança feminina ou compartilhada, chama atenção o professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Hoje, uma em cada três famílias brasileiras está sob a responsabilidade feminina.
Quarenta anos atrás, cada brasileira tinha pelo menos cinco filhos. Na Região Nordeste, sete, oito, nove. Minha avó, nascida na virada do século passado no interior baiano, pariu 13 bebês. As mulheres viviam até os 60 anos, tempo suficiente para cuidar do lar, ver os filhos crescerem, enterrar o marido, ter os netos nos braços. E só.
Faço parte da geração nascida após a revolução dos costumes, que empurrou as brasileiras para o mercado de trabalho – embora as negras, por herança da escravidão, sempre tenham estado na luta – e massificou o uso da pílula e da ligadura de trompas. Hoje, a taxa de fecundidade no país não chega a dois filhos por mulher. É menos do que o necessário para repor pai e mãe. Assim, a população nacional vai parar de crescer ou mesmo diminuir.
Integro o grupo de meninas que pôde ir à escola, tal qual os irmãos do sexo masculino. Estou no time que entrou na faculdade e batalhou vaga no mercado formal. Faço parte da patota que tirou carteira de motorista e pagou pelo primeiro carro. Sou sócia do clubinho que viveu com um olho na mamadeira da cria e outro no computador pessoal.
Desde os anos 1980, as mulheres brasileiras ganharam em média 12 anos de vida. Em vez de 65, vivemos 77 anos. Não demora, chegaremos aos 80, 85. É por isso que os 40 são os novos 30; os 50 viraram 40; os 60 não chegam nunca. Sob o prisma da longevidade, a existência ganha novas possibilidades. Velhos projetos não só podem como devem ser revisitados e redesenhados.
Quatro anos atrás, perdi subitamente minha mãe. Ela morreu numa manhã de domingo, aos 76 anos, vítima de um infarto fulminante, sem chance de socorro. Eu que me preparava, como tantas mulheres, para ser a tutora e cuidadora da idosa adoentada e senil, perdi o papel de filha. Dois anos depois, minha única filha completou 18 anos e entrou na universidade. A transição para a vida adulta inevitavelmente diminuiria a demanda materna.
Sem mãe, com menos filha, passei a ser assombrada pelo fantasma da inutilidade. Chamam a isso de síndrome do ninho vazio. Diante dessa janela de tempo livre, uma mulher pode se recolher e se deprimir. Eu escolhi viver. Deu para experimentar novos desafios profissionais, intensificar a atuação social, dedicar um punhado de horas a mais ao lazer e aos amigos. Sobraram minutos para a dieta e o exercício físico e o check-up anual. Não demora, vão sair do papel as sonhadas viagens de férias, os fins de semana prolongados.
A longevidade pode ser mãe amável, em vez de madrasta cruel. Com determinação, planejamento, consciência é possível ser mãe, profissional, mulher. E ainda sobra tempo para viver.