A família representa o mais importante espaço de socialização que conhecemos. É na convivência familiar que está o núcleo de formação de novos cidadãos e a fonte de criação e de manutenção de vínculos que podem durar uma vida inteira.
O problema é que esse sistema familiar muda à medida que a sociedade se transforma, de forma que as pressões internas e externas podem abalar essa estrutura. Nesse sentido, diante do medo do novo coronavírus, o isolamento das famílias em casa coloca à prova esses laços afetivos e obriga a sociedade a reinventar seu conceito de comunhão familiar.
Em um momento em que o aconchego familiar de ocasião se torna prisão domiciliar por necessidade sanitária, o aumento da intensidade da interação exige um novo olhar para o outro, um aprendizado sobre novas formas de se relacionar e de conviver.
Pensando na importância de entender (e vencer) esses desafios, elaboramos um conjunto de dicas fundamentais de convivência familiar na quarentena. Confira!
Quais são os impactos do coronavírus nas relações familiares?
O mundo assiste, ainda atônito, a um momento de tensão inédito desde a pandemia da gripe espanhola, há 102 anos.
Assim como ocorreu com a mãe das influenzas (que de espanhola só tinha o nome), o novo coronavírus (Sars-Cov2) ainda é pouco conhecido dos cientistas. Entretanto, sua velocidade de transmissão voraz contaminou mais de 1 milhão de pessoas em menos de 4 meses, contabilizando mais de 75 mil mortos.
Diante da agressividade do agente biológico ainda oculto, coube então à maior parte do mundo (curiosamente, em uma era de Inteligência Artificial e mapeamento genético computadorizado) fazer o mesmo que foi feito durante a gripe espanhola do século passado: trancar-se em casa para reduzir a velocidade de contágio e evitar, com isso, colapso nos sistemas de saúde do mundo todo.
Aqui entra então o isolamento social ou, mais do que isso, a quarentena, que muda inteiramente a dinâmica da convivência familiar. Afinal, ela é marcada por períodos específicos de interação em meio a uma rotina de longas horas diárias de trabalho ou estudos fora de casa. O isolamento muda a dinâmica dessa relação e exige uma reconexão profunda entre cônjuges e filhos.
Como lidar com a convivência familiar e o isolamento social?
De repente, as famílias se veem obrigadas a testar os limites de seus laços, em uma atmosfera de medo e de restrição de mobilidade que se mistura ao excesso de contato familiar e às incertezas econômicas.
Essa pode ser a receita para o enfraquecimento de alguns núcleos familiares mais frágeis, ou, no extremo oposto, para renovação de compromissos de união e de fortalecimento de vínculos que são, em essência, a razão de existir de uma família.
O pesquisador francês Phillipe Ariès traz uma definição importante sobre convivência familiar e sua relação com o Estado, que se aplica perfeitamente ao momento de instabilidade que vivemos:
“Na realidade, a família é o primeiro refúgio em que o indivíduo ameaçado se protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado. Mas assim que as instituições políticas lhe oferecem garantias suficientes, ele se esquiva da suposta “opressão” da família e os laços de sangue se afrouxam. A história da linhagem é uma sucessão de contrações distensões, cujo ritmo sofre as modificações da ordem política.”
Tomando as reflexões de Ariès para o mundo atual, a “hiperconexão presencial” é uma oportunidade única de os casais e os pais/filhos abandonarem a alienação da hiperconexão digital (ou o piloto automático da rotina) e reavaliarem suas escolhas de vida a dois (ou a três, a quatro, aos que têm filhos).
Como nos ensina Ariès, é na crise que se abrem as mais sólidas possibilidades de lutar por objetivos comuns. De refazer sonhos. De nutrir esperança. De observar que os minutos de convivência familiar são valiosos, inclusive enquanto assistimos, pela TV, outras famílias despedaçadas por um vírus que retira entes queridos da sala de casa de um dia para outro, sem que haja sequer a possibilidade de se despedir.
Você pode escolher como lidar como a pandemia. Com a reclamação do confinamento ou o reaprendizado em lidar com pessoas que ama. E, mais do que isso, com a consciência do privilégio de ter todos os seus laços afetivos dentro de casa, saudáveis e felizes.
Como criar uma rotina saudável em família?
Dito isso, cabe aqui oferecer algumas dicas de como reaprender a conviver e a fortalecer sua convivência familiar.
Jean-Paul Sartre, filósofo e escritor francês, dizia que “o inferno são os outros”, e a razão é que são nos olhos dos outros que encontramos o reflexo de nós mesmos. Portanto, aprender a lidar com o outro, por meio de compreensão e de empatia, é também um necessário exercício de autoconhecimento.
Dessa forma, você pode cultivar a saúde mental de cada membro da família, bem como aproximar-se deles durante a crise, ao seguir dicas de convivência familiar como as descritas abaixo.
Convivência com cônjuges
Aqui, as dicas são focadas no cotidiano do casal em si, seja com filhos, seja sem filhos.
ENTENDER A IMPORTÂNCIA DA INDIVIDUALIDADE
A ebulição de notícias, de medos e de tensões que estamos vivendo fragiliza sentimentos, fazendo com que questões simples se tornem grandes problemas em uma época de confinamento. Dessa forma, é fundamental que o casal mantenha sua individualidade. Estar em quarentena não significa perder o direito à privacidade.
CRIAR CONJUNTAMENTE UMA ROTINA DE TAREFAS
Monte um cronograma, junto ao seu parceiro, sobre atividades que desejam fazer na convivência familiar e outras que precisam ser feitas individualmente, além de conciliar home office.
Sozinho, você pode reservar algumas horas para:
• colocar em dia a leitura dos livros clássicos que nunca teve tempo de ler;
• começar aquele curso on-line de idiomas que está em promoção durante a quarentena;
• assistir a vídeos em grupo com aplicativos como Netflix Party ou Watch Party (do Facebook);
• falar com seus amigos (em grupo) por meio de aplicativos como House Party;
• meditar e buscar atividades que induzam ao relaxamento.
Em casal, vocês podem:
• reservar um horário da noite para assistir às suas séries preferidas em seu streaming de filmes;
• praticar atividades físicas em conjunto, com orientação por videoaulas disponíveis na internet;
• rever fotos antigas e ligar-se novamente ao “tesouro de memórias” que os unem;
• visitar museus virtuais e cozinhar juntos;
• assistir aos vídeos em grupo com os mesmos aplicativos citados acima (sim, você pode estar entre amigos e em casal — simultaneamente. Essa oxigenação faz bem ao relacionamento).
ENTENDER O PAPEL QUE CADA UM TEM NA VIDA DO OUTRO
Durante o ápice dos casos de COVID-19, a cidade chinesa de Xi’an registrou um recorde de pedidos de divórcio, com filas de agendamento de quase um mês.
Segundo psicólogos, a junção forçada de casais por longos períodos, aliada aos problemas econômicos decorrentes da pandemia, facilita a ressurreição de conflitos, trazendo os ímpetos de separação.
Diante dessa vulnerabilidade emocional, é imprescindível estimular uma rotina de conversas leves, que visem a construir o perdão e o aprofundamento do conhecimento mútuo.
Aproveite também o confinamento para reduzir gastos e montar um planejamento financeiro temporário durante a crise — com base em uma boa conversa.
Convivência com filhos
O estabelecimento de uma rotina divertida de convivência familiar com filhos passa pela criação de um programa que deve ser formulado em conjunto e afixado em um quadro no quarto da criança. Essas atividades podem envolver:
• conversas periódicas com familiares, como tios e avós em isolamento;
• maratonas de filmes infantis para serem assistidos em família (há quanto tempo você não faz isso com seus pequenos?);
• torneio de videogame em família;
• oficinas de arte, a envolver toda a família;
• redecoração conjunta da casa;
• homeschooling (aproveite o tempo para avançar sobre os conteúdos programados para o ano escolar de seu filho, adiantando-o em relação aos colegas).
Como você percebeu, o confinamento pode ser um fardo ou um presente da vida. Ele mistura proteção a quem você mais ama com um período raro de comunhão — afinal, sabe-se lá quando haverá outra oportunidade de ter esse tipo de convivência familiar —, permitindo aproximar-se do que você tem de mais valioso em sua vida. O limiar entre um e outro está em seus olhos e em sua percepção do mundo.
Compartilhe nosso conteúdo em suas redes sociais e, em um gesto de empatia, leve essa ajuda a seus colegas de trabalho, amigos e demais familiares, que certamente também precisam de uma bússola para melhorar a qualidade da convivência familiar na quarentena!